25 August 2007
Manifesto
Sou do Sporting porque o meu pai é do Sporting e o meu avô era do
Sporting. Curiosamente, nunca tive qualquer prazer em discutir futebol
ou acompanhar os jogos com sportinguistas. Sempre que o faco, o meu
pai incluido, sinto estar a doutrinar alguem que é do clube errado,
à semelhanca de um cristão a tentar convencer um judeu que o deus que
ambos partilham é todo ele amor e compaixão, e não vinganca e
castigos.
Tal como os cristãos, cuja fé em deus é simbolizada pela presenca na
terra do seu filho, a fé no meu sportinguismo é simbolizada pela
existência mítica dos cinco violinos, com o seu artístico futebol de
ataque, todo ele fantasia, beleza e encanto.
Quem perceber isto, é quase tão sportinguista quanto eu, apenas
sofrendo de daltonismo, caso seja do Benfica ou do Porto.
Quem perceber isto, também percebe porque razão a vitória do Inácio no
campeonato, 18 anos depois de orações no deserto, entusiasmaram por
pouco tempo muitos sportinguistas.
Ao contrário dos portistas e dos benfiquistas, cuja fome de vitórias
é insaciável, vitórias essas que quase representam uma vingança
contra os males do mundo, para mim as vitórias nao podem existir a
qualquer preço. Mais vale uma vitória brilhante e imaculada do que
três ou quatro afectadas pela mediocridade ou por uma sombra de
benefícios "administrativos". A vitória, há-de ser conquistada com a
transparência do jogo, na alegria do bom futebol.
O surgimento sistemático de grandes jogadores na cantera, e que tem
sido acompanhado pela sua saída sistemática também (Simão, Quaresma,
Cristiano Ronaldo, Nani), veio agudizar a consciência trágica dos
sportinguistas, ou pelo menos, do meu sportinguismo. Tão perto da
ressurreição dos cinco violinos, todos os anos voltamos a adiar esse
mítico futebol artístico, regressando a fé com o aparecimento de mais
um talento. E assim vivemos na angústia de quanto mais depressa o
talento desabrocha, mais curta é a sua presenca na equipa.
Existe uma anedota entre um judeu e um cristão que expressa bem este
sentimento. Um judeu está em casa a estudar os textos sagrados e é
visitado por um amigo cristão, que lhe pergunta o que está ele a
fazer. O judeu responde-lhe que procura interpretar nos textos para
quando será a vinda do messias. O cristao fica surpreendido. Para quando?
Então nao sabes que o messias ja apareceu, em Jesus Cristo?
O judeu aproxima-se da janela, observa atentamente a rua e vira-se
para o amigo cristão. Então se o messias já veio porque é que
continua tudo na mesma?, pergunta-lhe.
Ainda nao atingimos a perfeição do futebol artístico, no Sporting, mas
desde há tres anos que se pratica em Alvalade um futebol que se
enraiza na melhor tradição do Sporting. O Peseiro, com todas as suas
fragilidades, foi para mim o grande inspirador desse regresso ao
grande futebol e as derrotas traumáticas por que nos fez passar não
podem fazer apagar o brilhantismo de alguns dos melhores e mais
excitantes jogos que alguma vez vi o sporting fazer, como aquele
Benfica-Sporting para a taça que terminou em 3-3 com a vitória do
benfica nos penaltis. O Peseiro foi, de certa maneira, o nosso João
Baptista, e por isso também teve de ser decapitado. O Paulo Bento,
obviamente, faz aqui as vezes do São Paulo.
Rui Catalão
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1 comment:
Entre o anúncio da boa nova e a sua disseminação, fica ainda a faltar-vos um S. Pedro que vos abra a porta do céu
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